segunda-feira, 2 de março de 2015

Muito além de quatro paredes

Reprodução da entrevista publicada pelo Jornal DIÁRIO DA MANHÃ
Garibaldi Rizzo discorda dos projetos de habitação de interesse social ser colocados somente na periferia(Foto:Edilson Pelikano)
Arquitetos e urbanistas avaliam que projetos de moradia popular não podem ser novos guetos na periferia das grandes cidades
Hélmiton Prateado,Da editoria de Política&Justiça
O presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas de Goiás, Garibaldi Rizzo, encabeça um grupo de estudos que discorda dos projetos de habitação de interesse social serem colocados somente na periferia. O principal problema gerado, segundo Garibaldi, é quanto à sobrecarga no sistema de transporte urbano de passageiros.
Garibaldi lembra que o ex-presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e vereador por São Paulo Nabil Bonduki pontuou a importância de pensar o desenvolvimento das cidades como um todo. “Com conjuntos habitacionais concentrados na periferia, não há sistema de mobilidade urbana que dê jeito”, completou, referindo-se ao avanço de programas, como o “Minha Casa, Minha Vida”, sem a devida proporcionalidade em outras áreas. Ele reforçou que não bastam anúncios de bilhões sem planejamento. É preciso dar um novo salto. “O Ministério das Cidades está engessado.”
Segundo a pesquisadora Maria Ozanira Silva e Silva, autora do livro Política Habitacional: verso e reverso: “A habitação não pode ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos”. Garibaldi Rizzo enumera as razões para repensar a implantação de projetos de habitação de interesse social.
A ENTREVISTA
DM – O que se considera moradia adequada do ponto de vista social?
Garibaldi Rizzo – A habitação de interesse social não é só quatro paredes. As paredes servem como endereço e ponto de referência, estrutura familiar, aconchego, mas a luta por moradia envolve outras necessidades como o emprego para manter a casa, educação para os nossos filhos, saúde, lazer, transporte. Sem isso, só a casa não tem sentido. A política habitacional tem que ser pensada também levando em conta questões mais humanas, como a questão da renda. Moradia adequada é um lugar na cidade, um ponto a partir do qual se tem acesso a condições dignas, emprego, comércio, equipamentos sociais, a um espaço público de qualidade, à cultura. Vai além do abastecimento de água, luz, pavimentação, sistema de esgoto, que também são necessários.

DM – As políticas públicas de habitação de interesse social são satisfatórias?
Garibaldi Rizzo – Ocorreram alguns avanços significativos nos últimos anos na área de habitação, principalmente no financiamento em políticas sociais para o enfrentamento da precariedade social. Citem-se, como exemplos, as políticas para habitação de interesse social e os subsídios para custeamento de materiais de construção a preços relativamente acessíveis para a população de baixa renda, inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2) e no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e em nível do Estado de Goiás o Programa Cheque Moradia. Adquirir uma casa representa o maior investimento de uma vida. Somos conscientes da importância da Política Nacional de Habitação para o País e para os municípios.

DM – Qual é o papel do Ministério das Cidades em relação à habitação no País?
Garibaldi Rizzo – O Ministério das Cidades através da Secretaria Nacional de Habitação (SNH) é responsável por acompanhar e avaliar, formular e propor, os instrumentos para a implementação da Política Nacional de Habitação, em articulação com as demais políticas públicas e instituições voltadas ao desenvolvimento urbano, com o objetivo de promover o acesso à moradia. Nesse sentido ele desenvolve e coordena ações que incluem desde o apoio técnico aos Estados e municípios e aos setores produtivos até a promoção de mecanismos de participação e controle social nos programas habitacionais.

DM – Qual é o papel do governo Estadual em relação à habitação em Goiás?
Garibaldi Rizzo – A Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos é responsável por formular e coordenar a implementação da política estadual de habitação, em articulação com órgãos das esferas federal, estadual e municipal; a política fundiária urbana e imobiliária estadual, objetivando a regularização fundiária e a promoção pública de alcance social de moradias ou lotes; estudos, pesquisas, tecnologias e novos materiais, objetivando a melhoria da qualidade, rapidez na execução e redução dos custos da habitação popular; ações de apoio técnico na área de engenharia pública e social, prestando assistência aos municípios, às instituições públicas e entidades da sociedade civil organizada.

DM – E a Agehab, o que faz?
Garibaldi Rizzo – A Agência Goiana de Habitação (Agehab) é responsável, em Goiás, pela execução da política pública de habitação voltada para o desenvolvimento urbano, com o objetivo de promover a universalização do acesso à moradia. A Agehab é uma empresa do Estado de Goiás, resultante da fusão da Companhia de Habitação Popular do Município de Goiânia (Cohab), criada em 1965, e da Companhia Habitacional do Estado de Goiás (Chego). Ela é jurisdicionada à Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos .
DM – O que é déficit habitacional?
Garibaldi Rizzo – Déficit habitacional é uma expressão que se refere à quantidade de cidadãos sem moradia adequada em uma determinada região. O Ipea, utiliza três critérios para definir moradia inadequada: a rusticidade das estruturas físicas das habitações (uso de materiais não duráveis e/ou improvisados), a moradia não ser originariamente construída para habitação, adquirindo essa função apenas de forma esporádica ou improvisada, a coabitação (a existência de mais de uma família por residência).
Com déficit de quase oito milhões de moradias, o País tem necessidade imediata de buscar a solução que permita atender a tal demanda. Essa quantidade de habitações a ser construída equivale a quase 15% do total de unidades existentes no território nacional (54,8 milhões). Em Goiás este número é de 165 mil moradias.

DM – O que é regularização fundiária?
Garibaldi Rizzo – A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam a regularização de assentamentos irregulares e a titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O sistema, normalmente implantado através dos governos estaduais, estabelece os limites de cada terreno de forma que este seja registrado corretamente no cartório em nome do proprietário. Com a regularização, o governo garante segurança social e jurídica para os pequenos agricultores e moradores de assentamentos precários em áreas urbanas.
DM – O que é reforma urbana e o Estatuto das Cidades?
Garibaldi Rizzo – Aprovado após 12 anos de tramitação, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) oferece aos governos municipais e aos movimentos sociais um conjunto expressivo de instrumentos que, na prática, buscam materializar o “direito à cidade”, definido na própria lei como: o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações. O Estatuto da Cidade pode ser especialmente útil para a imensa e interminável tarefa de reduzir o “apartheid social” expresso nas cidades brasileiras. No Estatuto da Cidade, o objetivo da política urbana (ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade) pode ser traduzido em quatro grupos de propósitos: promover a gestão democrática das cidades, oferecer mecanismos para a regularização fundiária, combater a especulação imobiliária e assegurar a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos núcleos urbanos.
DM – O que é o Conselho das Cidades?
Garibaldi Rizzo – É órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva. Em relação à Política Nacional de Habitação, tem algumas atribuições centrais especialmente no que tange às prioridades, estratégias, instrumentos e normas da Política, além de fornecer subsídios para a elaboração do Plano Nacional de Habitação, acompanhar e avaliar sua implementação, recomendando providências necessárias ao cumprimento dos objetivos da política.

DM – O que o município deve fazer para aderir ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social?
Garibaldi Rizzo – O primeiro passo é a assinatura do termo da adesão, pois é por meio deste instrumento que se formaliza junto ao Ministério das Cidades a inserção ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. A inserção do ente ao SNHIS é confirmada após a publicação do extrato no DOU.
A assinatura do termo de adesão implica os seguintes compromissos no âmbito dos Estados, DF e municípios:
  • A criação do Fundo Local de Habitação de Interesse Social;
  • A instituição do Conselho Gestor do Fundo Local de Habitação de Interesse Social;
  • A elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social;
  • A elaboração dos relatórios de Gestão dos Fundos Locais de Habitação de Interesse Social.

DM – Como a gestão municipal deve tratar a habitação?
Garibaldi Rizzo – A habitação não deve ser vista de forma setorial e como o principal agente gerador de desenvolvimento, e sim como um setor que possibilita reordenar territorialmente as ações no setor habitacional na esfera municipal, associando-a investimentos nos demais setores. Além disso, o ato de planejar a habitação pressupõe a promoção à participação da sociedade civil nas esferas de diálogo e tomada de decisões. O primeiro passo é diagnosticar o potencial da habitação local, através do mapeamento das condições da exploração econômica, e em seguida relacionar construção das unidades habitacionais de interesse social a infraestruturas, com transporte, escolas, entre outros. A realização do mapeamento da situação habitacional e da provisão de habitação de interesse social, articuladas às esferas municipal, estadual e federal, potencializa a redução de moradias precárias, desacelerando o crescimento desordenado e promovendo condições adequadas a uma parcela significativa de cidadãos, desde que a habitação esteja atrelada ao trabalho social. O financiamento no setor habitacional promove o crescimento de emprego e renda na esfera do município, daí a necessidade de ser planejado e articulado ao Plano Diretor e aos demais planos.

“As paredes servem como endereço e ponto de referência, estrutura familiar, aconchego, mas a luta por moradia envolve outras necessidades como o emprego para manter a casa, educação para os nossos filhos, saúde, lazer, transporte”
Garibaldi Rizzo
“Adquirir uma casa representa o maior investimento de uma vida. Somos conscientes da importância da Política Nacional de Habitação para o País e para os municípios”
Garibaldi Rizzo
“Ocorreram alguns avanços significativos nos últimos anos na área de habitação, principalmente no financiamento em políticas sociais para o enfrentamento da precariedade social”
Garibaldi Rizzo







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